Los Angeles, 15 de janeiro de 1947. Uma manhã fria de inverno no bairro em desenvolvimento de Leimert Park. Betty Bersinger, uma dona de casa comum, empurrava o carrinho de sua filha de três anos pela calçada da South Norton Avenue quando algo no terreno baldio chamou sua atenção. O que ela pensou ser um manequim quebrado revelou-se o corpo nu e mutilado de uma jovem mulher, cortado ao meio com precisão cirúrgica e posicionado de forma grotesca, como uma obra de arte macabra. Assim começava um dos casos de assassinato mais infames e nunca resolvidos da história americana: o da Dália Negra.
Elizabeth Short, a vítima de 22 anos, nasceu em 29 de julho de 1924, em Hyde Park, Boston, como a terceira de cinco filhas de Cleo Alvin Short Jr., um marinheiro da Marinha dos EUA, e Phoebe May Sawyer. Sua infância foi marcada por instabilidade: o pai abandonou a família em 1930, durante a Grande Depressão, fingindo um suicídio para desaparecer. Elizabeth sofreu de problemas respiratórios graves, como bronquite e asma, passando invernos em Miami e até realizando uma cirurgia pulmonar aos 15 anos. Ela largou o ensino médio no segundo ano e, aos 18, mudou-se para Vallejo, na Califórnia, para viver com o pai, que havia reaparecido. Mas brigas constantes a fizeram partir. Trabalhou em uma base militar em Camp Cooke, perto de Lompoc, onde foi eleita “rainha do acampamento” por sua beleza, mas enfrentou abusos e foi presa por beber menor de idade em Santa Barbara, em setembro de 1943. Enviada de volta para Massachusetts, decidiu ir para a Flórida, onde se envolveu romanticamente com o Major Matthew Michael Gordon Jr., que morreu em um acidente de avião em 1945, pouco antes do casamento. Devastada, Elizabeth chegou a Los Angeles em julho de 1946, sonhando com uma carreira de atriz em Hollywood. Sem créditos ou empregos no ramo, ela vivia de bicos como garçonete, morando em um quarto atrás do nightclub Florentine Gardens, na Hollywood Boulevard. Sua vida era nômade, cheia de relacionamentos fugazes e uma busca incessante por estabilidade.
O desaparecimento de Short ocorreu em 9 de janeiro de 1947, após uma viagem a San Diego com seu namorado Robert “Red” Manley, um vendedor casado que a deixou no Biltmore Hotel, no centro de Los Angeles. Ela foi vista usando o telefone do lobby e possivelmente no Crown Grill Cocktail Lounge. Seis dias depois, seu corpo foi encontrado. O tronco estava separado das pernas por um corte limpo entre a segunda e a terceira vértebra lombar, uma técnica semelhante à hemicorporectomia, realizada post-mortem. O corpo fora completamente drenado de sangue e lavado com gasolina, sem uma gota no local do descarte. Mutilações horríveis incluíam um “sorriso de Glasgow” – cortes profundos de orelha a orelha, abrindo as bochechas até expor os dentes em um sorriso forçado. Partes de carne foram removidas das coxas e seios, com tecido irregular perdido. Os intestinos foram retirados, dobrados cuidadosamente e colocados sob as nádegas. Os braços estavam erguidos acima da cabeça, com cotovelos dobrados em 90 graus, e as pernas abertas em posição sugestiva. Marcas de ligaduras nos pulsos, tornozelos e pescoço indicavam que ela fora amarrada. A autópsia, realizada pelo legista Frederick Newbarr em 16 de janeiro, determinou a causa da morte como hemorragia cerebral e choque de lacerações faciais e golpes na cabeça. Ela media 1,65 m, pesava 52 kg, tinha olhos azul-claros, cabelos castanhos (tingidos de preto) e dentes deteriorados. Testes para esperma foram negativos, mas o canal anal dilatado sugeria possível violação. Não havia fraturas cranianas, mas hematomas no couro cabeludo e hemorragia subaracnoide confirmavam tortura enquanto viva, possivelmente por 24 a 48 horas. O assassino demonstrou conhecimento médico, sugerindo um cirurgião ou profissional similar.
A investigação mobilizou mais de 750 detetives, incluindo o LAPD, xerifes do condado e a Patrulha Estadual da Califórnia. O FBI entrou no caso rapidamente, identificando Short em 56 minutos por meio de impressões digitais borradas enviadas via “Soundphoto” – comparadas a um banco de mais de 100 milhões de registros, ligando-a a uma candidatura de emprego em 1943 e à prisão por beber menor. O bureau conduziu verificações de antecedentes em suspeitos, entrevistas nacionais e investigou alunos da Escola de Medicina da USC por habilidades de dissecação. Uma pegada de salto e um saco de cimento com água sanguinolenta foram encontrados perto do corpo, mas nada levou ao assassino. Uma recompensa de US$ 10 mil foi oferecida. Cartas do suposto assassino chegaram: uma ligação em 21 de janeiro prometendo “lembranças”; um envelope em 24 de janeiro com pertences de Short; outra em 26 de janeiro prometendo rendição; e em 29 cancelando. A bolsa e os sapatos foram encontrados em uma lixeira, limpos com gasolina. Mais de 60 confissões falsas surgiram na primeira semana, e mais de 500 ao longo dos anos. A cena do crime foi contaminada por curiosos, e rivalidades entre agências atrapalharam. Em fevereiro de 1947, o caso bateu em um “muro de pedra”. Um júri de instrução em 1949 criticou o LAPD por ineficiências. Escutas em 1950 capturaram conversas incriminatórias na casa de um suspeito. O caso esfriou, mas permanece o mais antigo não resolvido do condado de Los Angeles.
Entre os mais de 150 suspeitos iniciais, poucos resistiram ao escrutínio. Mark Hansen, dono de um nightclub que rejeitou avanços de Short, foi investigado por seu nome no caderno de endereços, mas liberado. Manley passou no polígrafo. Outros nomes incluíram o cantor Woody Guthrie, o diretor Orson Welles, o gângster Bugsy Siegel e Francis E. Sweeney (ligado aos Assassinatos do Torso de Cleveland, 1934-1938, com mutilações semelhantes). Teorias apontam para um serial killer responsável pelos “Assassinatos da Mulher Solitária” em LA (1943-1949, mais de 12 vítimas mutiladas). Leslie Dillon, um auxiliar de necrotério, foi ligado a roubos de hotel em um livro de 2017. Joseph A. Dumais e Artie Lane também foram mencionados. Mas o suspeito mais proeminente é o Dr. George Hodel, um cirurgião rico e controverso, acusado por seu filho Steve Hodel, ex-detetive do LAPD. Em escutas de 1950, George disse: “Supondo que eu matei a Dália Negra… Eles não podem provar agora. Eles não podem falar com minha secretária porque ela está morta.” Steve, em livros como *Black Dahlia Avenger*, alega que o pai cometeu o crime em sua casa em Hollywood, possivelmente com o amigo Fred Sexton. Em 2025, Steve atualizou o livro com novas evidências, reforçando a acusação e destacando a corrupção do LAPD nos anos 1940, que tornava Hodel “intocável”. A descoberta veio pós-aposentadoria, via revelação da irmã Tamar em 1999, ligada a um julgamento de incesto de 1949, onde policiais suspeitaram de George na morte de Short.
A cobertura midiática foi sensacionalista, liderada pelos jornais de William Randolph Hearst. O apelido “Black Dahlia” veio de uma referência ao filme *The Blue Dahlia* (1946) ou de uma farmácia onde Short era chamada assim por seus cabelos pretos e roupas escuras. Repórteres enganaram a mãe de Short para obter detalhes, isolando-a em um hotel. Histórias falsas de tortura extrema circularam para encobrir a causa real da morte. Acusações infundadas de lesbianismo e promiscuidade mancharam sua imagem, transformando-a de vítima em “aventureira”. O caso dominou as manchetes por 35 dias, tornando-se o primeiro grande crime sensacionalista pós-Segunda Guerra.
O legado da Dália Negra é imenso: inspirou o primeiro registro de criminosos sexuais na Califórnia em 1947. Virou base para dezenas de livros, como *Severed* de John Gilmore, *Daddy Was the Black Dahlia Killer* de Janice Knowlton (alegando que o pai George Knowlton a matou com um martelo, mas desacreditado), e o romance de James Ellroy *The Black Dahlia* (1987). Filmes incluem a adaptação de Brian De Palma em 2006, com Scarlett Johansson e Josh Hartnett. Aparece em séries como *American Horror Story* (2011 e 2018) e episódios de *Hunter*. Seu túmulo no Mountain View Cemetery, em Oakland, é visitado por fãs e curiosos. Phoebe Short mudou-se para perto e morreu em 1992.
Quase 80 anos depois, em 2025, o caso permanece sem solução oficial, um símbolo da corrupção policial da era e dos limites da justiça. Atualizações como o livro revisado de Steve Hodel mantêm viva a esperança de respostas, mas a Dália Negra continua a assombrar Hollywood – uma jovem que veio atrás de estrelas e encontrou apenas escuridão eterna.
American Horror Story
A Dália Negra aparece em American Horror Story: Murder House (1ª temporada, de 2011) como uma releitura sobrenatural de um dos crimes reais mais famosos da história dos Estados Unidos.










































