O caso de Pedro Castillo Mendoza e Roberto Girón Mendoza permanece como um dos episódios mais polêmicos e traumáticos da história recente da Guatemala. Em meio a um país ainda ferido por décadas de guerra civil, a execução pública dos dois camponeses, em 1996, reacendeu o debate sobre a pena de morte, justiça sob pressão popular e graves violações de direitos humanos.
Pedro Castillo, de 39 anos, e Roberto Girón, de 49, eram trabalhadores rurais pobres, analfabetos e moradores da região de Escuintla, uma das áreas mais carentes do país. Em 13 de abril de 1993, os dois foram acusados do estupro e assassinato brutal de Sonia Marisol Álvarez García, uma menina de apenas 4 anos. O corpo da criança foi encontrado em uma plantação de milho, com sinais de violência sexual e múltiplos golpes de machete, o que causou revolta imediata na comunidade.
A prisão dos dois aconteceu no mesmo dia. Um machete com manchas de sangue teria sido encontrado com um dos acusados, e moradores locais os apontaram como responsáveis. Diante da comoção popular, o caso ganhou repercussão nacional e passou a ser tratado como símbolo da luta contra a criminalidade no país.
No entanto, desde o início, o processo foi marcado por denúncias graves de irregularidades. Pedro Castillo e Roberto Girón ficaram semanas incomunicáveis, sem acesso imediato a advogados. Durante os interrogatórios, teriam sido submetidos a espancamentos, choques elétricos e ameaças para que confessassem o crime. As confissões, obtidas sob tortura, tornaram-se a principal base da acusação.
A defesa técnica só foi estruturada nas fases finais do julgamento, sem tempo adequado para análise das provas. Os acusados, por serem analfabetos, sequer compreenderam plenamente os trâmites do processo. Mesmo assim, em 1994, ambos foram condenados à pena de morte por fuzilamento.
A Guatemala não realizava execuções desde 1982. Apesar de a pena de morte ainda existir formalmente na legislação, ela estava suspensa na prática há mais de uma década. O caso Castillo–Girón representou, portanto, o retorno efetivo da pena capital no país em pleno período democrático pós-guerra civil.
Durante os anos em que permaneceram no corredor da morte, diversas organizações internacionais tentaram impedir a execução. A Anistia Internacional, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e outras entidades de direitos humanos denunciaram as falhas do processo, pediram novo julgamento e alertaram para o risco de erro judicial. Todos os pedidos foram ignorados.
Na manhã de 13 de setembro de 1996, às 6h, Pedro Castillo e Roberto Girón foram levados ao pátio da prisão de Escuintla. Vendados, amarrados a postes, foram executados por um pelotão de soldados. Por decisão direta do então presidente Álvaro Arzú, a execução foi transmitida ao vivo pela televisão nacional — um fato inédito na América Latina continental.
As imagens chocaram o país. Pedro Castillo morreu instantaneamente. Roberto Girón, porém, agonizou por alguns minutos após os disparos, sendo necessário um tiro final de misericórdia. Parte da população celebrou a execução como um ato de justiça. Outra parte ficou profundamente abalada com o espetáculo público da morte promovido pelo próprio Estado.
Com o passar dos anos, novas investigações e relatórios reforçaram as suspeitas de que os dois homens foram condenados sem um julgamento justo. Em 2017, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concluiu que o Estado da Guatemala violou garantias fundamentais do devido processo legal, incluindo o uso de tortura, ausência de defesa adequada e aplicação arbitrária da pena de morte. O país foi condenado internacionalmente e obrigado a reconhecer oficialmente as violações.
O Estado guatemalteco também foi instado a indenizar simbolicamente as famílias e a revisar sua legislação. Desde então, embora a pena de morte ainda figure de forma residual na Constituição, a Guatemala não possui atualmente mecanismos legais para realizar novas execuções.
Hoje, o caso Pedro Castillo e Roberto Girón é estudado em universidades e cursos de direito como exemplo clássico dos riscos irreversíveis da pena de morte quando aplicada em sistemas judiciários frágeis, sob pressão popular e com violações de direitos básicos. Para muitos, trata-se de um símbolo sombrio de justiça falha; para outros, um reflexo de um país marcado pelo medo e pela violência pós-guerra.
O episódio permanece como uma ferida aberta na memória coletiva da Guatemala — lembrando que, quando o Estado erra ao tirar uma vida, não há possibilidade de reparação.











